Desde os primórdios, as primeiras manifestações do sagrado foram femininas – deusas da terra, fertilidade e ciclos naturais, refletindo a conexão direta entre a mulher e os mistérios da criação. Com o surgimento das primeiras cidades e estruturas de poder hierárquico, um novo panteão emergiu: deuses guerreiros, legisladores e controladores, que sistematicamente subordinaram as deusas, transformando-as em consortes silenciosas ou figuras secundárias.
Mas
a Deusa resistiu. Ela
sobreviveu nas sombras – como Lilith, a rebelde banida; como Hécate,
a senhora das encruzilhadas; como as bruxas perseguidas, que
mantiveram vivo o conhecimento ancestral. Hoje, seu retorno não é apenas
espiritual, mas político: um resgate da autonomia feminina sobre o
corpo, a sexualidade e o sagrado. A Deusa nunca foi derrotada – foi
apenas adormecida, esperando o momento de despertar.
Um resuminho da situação ao longo dos tempos:
1. Pré-História / Cultos Arcaicos (antes
de 3000 AEC)
- Deusa
Mãe (Vênus de Willendorf) – Cultos paleolíticos
– 30.000–10.000 AEC
- Pachamama –
Andes – 5000 AEC (culto à Terra)
2. Suméria / Mesopotâmia (3500–2000
AEC)
- Nammu (Deusa
primordial) – Suméria – 3500 AEC
- Enlil (Deus
do ar) – Suméria – 3000 AEC
- Inanna (Deusa
do amor/guerra) – Suméria – 2500 AEC
3. Egito (3100–1000
AEC)
- Ptah (Deus
criador) – Egito – 3100 AEC
- Hathor (Deusa
do céu) – Egito – 3000 AEC
- Rá (Deus-Sol)
– Egito – 2500 AEC
4. Vale do Indo (3300–1500
AEC)
- Shiva
Pashupati (Proto-Shiva) – Harappa – 2000
AEC
- Deusa-Mãe
Harappana – Vale do Indo – 2500 AEC
5. Grécia / Creta (2000–500
AEC)
- Gaia (Deusa
Terra) – Grécia – 2000 AEC
- Zeus (Deus
do céu) – Grécia – 1500 AEC
- Atena (Deusa
da sabedoria) – Grécia – 1200 AEC
6. Hebreus / Canaã (2000–500
AEC)
- El (Deus
supremo) – Canaã – 2000 AEC
- Asherah (Deusa-mãe)
– Canaã – 1800 AEC
- Yahweh –
Hebreus – 1000 AEC
7. Védicos / Índia (1500–500
AEC)
- Indra (Deus
da guerra) – Védico – 1500 AEC
- Saraswati (Deusa
do conhecimento) – Védico – 1200 AEC
8. Chineses / Zhou (1600–200
AEC)
- Shangdi (Deus
supremo) – Shang – 1600 AEC
- Nuwa (Deusa
criadora) – Zhou – 1000 AEC
9. Mesoamérica / Andes (1200
AEC–1500 EC)
- Quetzalcoatl (Deus-serpente)
– Astecas – 1200 EC
- Pachamama (Deusa
Terra) – Inca – 1400 EC
A
Deusa nunca desapareceu — ela se reinventou. Mesmo sob o
domínio de religiões patriarcais, seu arquétipo persistiu, transmutado em novas
formas: nas santas
cristãs (como Maria, que herdou os atributos de Isis e da
Grande Mãe), nas orixás
guerreiras (Oyá, senhora dos ventos e da transformação), e
na face quádrupla
da Deusa contemporânea (Donzela, Mãe, Fera e Anciã — esta
última rompendo com a tríade wiccana para incluir a mulher selvagem e
indomável). Essas manifestações não são meros vestígios, mas testemunhas de uma sabedoria feminina
que resiste, mesmo quando relegada as margens da
espiritualidade dominante.
Hoje,
a Deusa retorna não como submissa, mas como revolucionária. Movimentos que
resgatam Lilith (a
exilada do Éden que virou ícone feminista), a Bruxa Anciã (curadora
e detentora de conhecimento proibido) ou a Fera (a face indomável que rejeita
a domesticação) mostram que seu poder nunca foi apagado — foi silenciado. A verdadeira face da Deusa é quádrupla, abrangendo a criadora, a destruidora, a
protetora e a sábia — e é assim que ela reassume seu
trono, não como complemento do Deus, mas como força primordial.
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